sexta-feira, 15 de junho de 2012

É NA TERRA NÃO É NA LUA.


António Reis e Margarida Martins Cordeiro, Gonçalo Tocha, Pedro Costa - cinema português em Nova Iorque
Num momento em que o cinema de autor português, defendido apaixonadamente pelo circuito internacional de críticos e de festivais, enfrenta em Portugal dificuldades que põem em causa a sua sobrevivência, há boas notícias. É na Terra Não é na Lua de Gonçalo Tocha vai chegar em Julho à exibição comercial em Nova Iorque, na sala dos Anthology Film Archives criada por Jonas Mekas e Stan Brakhage em 1969 e que se tornou num ardente reduto da cinefilia. E a mesma sala vai, em Junho, receber a homenagem a António Reis e Margarida Cordeiro,The School of Reis, e a curta de Pedro Costa O Nosso Homem.
Para É na Terra Não é na Lua é o mais recente passo numa carreira iniciada com a menção em Locarno e que já valeu prémios no DocLisboa, DocumentaMadrid, festival de São Francisco e BAFICI (Buenos Aires). Com uns honrosos 3500 espectadores em Portugal (carreira que continua), é a vez dos Anthology Film Archives agendarem o filme entre 13 e 19 de Julho. Será exibido com a anterior obra de Tocha, Balaou, a 18 e 19 de Julho. Antes, entre 22 e 28 de Junho, fala-se de cinema português com The School of Reis  (A Escola de Reis), dedicado à obra de António Reis (1927-1991) e Margarida Cordeiro. Erguidos a mestres por uma geração que estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema, assinaram uma obra citada como exemplar por nomes como Jean Rouch ou Joris Iven mas que continua insuficientemente conhecida entre nós. O programa traça uma genealogia do que o comissário do Harvard Film Archive Haden Guest define como "a tradição portuguesa de cinema radical". Cruza os quatro filmes assinados por Reis e Margarida Cordeiro - Jaime  (1974), Trás-os-Montes  (1976), Ana  (1985) e Rosa de Areia (1989) - com filmes importantes para a formação de Reis (Acto da Primavera de Oliveira e Verdes Anos de Paulo Rocha) e obras assinadas por cineastas que reivindicam a sua influência (João Pedro Rodrigues, Vítor Gonçalves, Pedro Costa, Manuela Viegas e Joaquim Sapinho, cujo Deste Lado da Ressurreição deverá chegar às salas portuguesas em Setembro). Segundo informa a Rosa Filmes, produtora do filme de Sapinho, há já marcações futuras para a University of California em Los Angeles e para o Berkeley Art Museum and Pacific Film Archive.

artigo retirado do jornal "Público"

terça-feira, 12 de junho de 2012

Fundação Saramago abre quarta-feira com entrada gratuita até ao fim do mês.


A sede da Fundação José Saramago, que abre ao público na quarta-feira, em Lisboa, com uma exposição sobre a vida e obra do Nobel da Literatura, vai ter entrada gratuita até ao final de Junho, anunciou hoje a presidente da entidade.
De acordo com Pilar del Río, a Fundação vai ter entrada livre até ao final do mês e, depois, os portugueses vão pagar um bilhete de três euros, enquanto os estrangeiros pagarão «entre cinco e seis euros», indicou a responsável durante uma visita organizada para jornalistas.
O Nobel da Literatura faleceu há dois anos, a 18 de Junho de 2010, e a Câmara Municipal de Lisboa cedeu a Casa dos Bicos à Fundação José Saramago, presidida pela mulher.
«Vamos viver dos direitos de autor e do nosso trabalho aqui dentro. Não temos qualquer outro apoio oficial e os tempos estão difíceis para conseguir mecenato. Por isso o público vai ter de pagar entrada», justificou.
A Fundação Saramago ficará aberta nos dias úteis das 10:00 às 18:00 horas, e aos sábados das 10h00 às 14h00 horas, e terá uma loja com livros de José Saramago em várias línguas, e artigos com a marca da entidade.
A inauguração oficial da Fundação Saramago está prevista para as 11:30 de quarta-feira, feriado municipal e dia de Santo António, padroeiro de Lisboa.
Abrirá ao público a partir das 14h00, com a exposição permanente ‘A Semente e os Frutos’, com livros que Saramago traduziu, manuscritos, notas pessoais, agendas, recortes de jornais, e os livros do autor, com uma selecção de exemplares em português e edições noutras línguas.
Poesia, crónicas, romances, fotografias que recordam as amizades de Saramago, a natividade cívica e política, a família - os avós da Azinhaga, a quem aludiu no discurso na Suécia, na altura da entrega do Nobel, em 1998 - cobrem as paredes do espaço expositivo.
Também está disponível equipamento de áudio com entrevistas, discursos, e vídeos documentais. No fim da exposição há um espaço onde foi reproduzido o primeiro escritório onde Saramago escreveu, contendo a secretária e outros objectos pessoais, como os óculos e a máquina de escrever.
Fernando Gomez Aguilera, comissário da mostra, é presidente da Fundação César Manrique, e foi também responsável pela exposição ‘José Saramago. A Consistência dos Sonhos’, que esteve patente em Lanzarote em 2007, depois em Lisboa, e fez uma digressão pela América do Sul.
O projecto de remodelação e design de interiores da Casa dos Bicos, edifício do século XVI, é da responsabilidade dos arquitectos João Santa-Rita e Manuel Vicente.
Em Junho do ano passado, as cinzas José Saramago foram depositadas junto a uma oliveira centenária que foi propositadamente plantada junto à Casa dos Bicos.
A oliveira foi transportada da Azinhaga do Ribatejo, aldeia natal de Saramago, e plantada junto ao edifício, porque o escritor se referia a esta árvore no livro.
Lusa/SOL

domingo, 10 de junho de 2012

Máquina de respirar a roupa. (UP Magazine-TAP Portugal)


Estes meses não vão deixar que falte sol. Junho e julho são uma espécie de irmãos gémeos. As pessoas confundem-nos muitas vezes: disseste junho ou julho? Nesta época, há pessoas que chegam com um mês de antecedência. Chegam a correr, a perguntar se estão atrasados e toda a gente fica a olhar para eles, sem perceber qual é a pressa. Estavam convencidos de que qualquer coisa era em junho mas, afinal, só irá ser em julho. Há pequenas diferenças: o "n" e o "l", um tem trinta dias ou outro tem trinta e um. Há grandes semelhanças: as cores são as mesmas, os dias amanhecem com a mesma promessa.
Tiro a roupa da máquina. Se o mundo tivesse começado neste preciso momento, ninguém seria capaz de imaginar que, há poucos minutos, esta mesma roupa girava com toda a velocidade no interior da máquina. Agora, há apenas a serenidade. Com elegância, a roupa sai da máquina como uma senhora do século XIX que estende a mão para que a auxiliem a descer. Agora, há este tempo.
Caminho para a janela. Esta hora cheira a detergente. É fresco, não pesa, é o perfume certo para acarinhar lembranças de ternura, traz-me imagens da minha infância, eu pequeno, com pernas e braços pequenos, a passar entre roupa acabada de lavar, a minha mãe tão nova. Abro a janela e abro o mundo inteiro diante de mim, este dia em todo o seu tamanho. Há tanta vida à vista. Pode também ser imaginada na paisagem de janelas, quadradinhos, ou nos carros que se dirigem para algum lugar.
Levanto um lençol com as duas mãos. Acerto-o sobre o estendal e deixo-o cair, dividido pelo arame. Tenho já duas molas na mão, preciso de mais. Os vizinhos dos andares de baixo também têm roupa a secar. As roupas, minhas e dos vizinhos, aproveitam esta largueza. Recebem sol e absorvem-no. Passam tanto tempo bem-comportadas, a fazer aquilo que se espera delas e, no estendal, têm uma liberdade inesperada. São, por momentos, roupas sem corpo, longe dos armários e das gavetas, longe das dobras e do medo de se enxovalharem. Os lençóis, solenes, são bandeiras destes meses, aceitam a tarefa de reflectir o sol o mais longe que podem.
Em cada janela onde há roupas estendidas, houve alguém que as tirou da máquina e que atravessou este momento. Depois, essa pessoa irá fazer outras coisas, estar noutros lugares, mas não se esquecerá da roupa que deixou a secar. Há sempre alguém a pensar nas roupas estendidas em cada janela, passará mais tarde para ver se já está enxuta.
Sem querer, deixo cair uma meia. Foge-me da ponta dos dedos. Vejo-a cair, bate na roupa estendida dos vizinhos de baixo, mas não para, continua a cair. O seu movimento é irreversível e demora o suficiente para que eu imagine várias coisas: umas boas e outras más. Por fim, chega ao chão. Fica estendida no passeio, imóvel, invertebrada. Olho-a durante um instante triste e, logo a seguir, corro na direcção da porta, carrego no zero do elevador. Nessa urgência, enquanto vou buscá-la, salvá-la, quase acredito que a roupa também tem alma.
Só quando chego ao rés-do-chão reparo que estou nu, de chinelos e sem chave de casa.
por José Luís Peixoto

terça-feira, 5 de junho de 2012

O Ambiente, ontem e hoje.



Na fila do supermercado, o caixa diz a uma senhora idosa:

- A senhora deveria trazer as suas próprias sacolas para as compras, uma vez que os sacos plásticos não são amigos do meio ambiente.

A senhora pediu desculpas e disse-lhe:

- No meu tempo não havia esta "onda verde"!

O empregado respondeu:

- É o problema actual, minha senhora! A sua geração não se preocupou suficientemente com o nosso meio ambiente.

- Pois, responde a velha senhora, a nossa geração não se preocupou devidamente com o meio ambiente. Naquela época, as garrafas de leite, de refrigerante e de cerveja eram devolvidas à loja que as reenviava à fábrica, onde eram lavadas e esterilizadas antes de cada reutilização e eles reutilizavam-nas inúmeras vezes.

"Realmente não nos preocupávamos com o meio ambiente. Subíamos as escadas porque não havia escadas rolantes nas lojas e nos escritórios. Íamos às compras a pé, em vez de utilizar o nosso carro de 300 cavalos de potência para nos deslocarmos ao quarteirão mais perto.

"Tem razão. Nós não nos preocupávamos com o meio ambiente. Até então, as fraldas de bebés eram lavadas, porque não havia fraldas descartáveis. A energia solar e eólica é que secavam as nossas roupas e não estas máquinas bamboleantes de 220 volts. Os pequeninos utilizavam as roupas que tinham sido dos irmãos.

"Mas é verdade: não havia preocupação com o meio ambiente, naqueles dias. Só havia uma televisão ou rádio em casa e não uma televisão em cada quarto. Esta tinha uma tela do tamanho de um lenço, não um "telão" do tamanho de um estádio que depois será descartado mas como?!

"Na cozinha, batíamos tudo à mão. Não havia máquinas eléctricas! Quando embalávamos algo frágil para o correio, usávamos jornal amarrotado para protegê-lo, não "plástico bolha" ou "pellets" de plástico que duram cinco séculos a degradar-se! Não se usava um motor a gasolina a não ser para cortar a relva Era utilizado um cortador que exigia músculos! O exercício era extraordinário e não era necessário ir ao ginásio usar tapetes rolantes que também funcionam a electricidade.

"Tem razão: naquela época não havia preocupação com o meio ambiente. Bebíamos directamente da fonte, quando estávamos com sede, em vez de usar copos plásticos e garrafas que agora povoam os oceanos. Relativamente às canetas: recarregávamo-las com tinta umas tantas vezes ao invés de comprar outra. Abandonámos as navalhas, em vez de deitar fora todos os aparelhos 'descartáveis' e poluentes só porque a lâmina ficava sem corte.
"Na verdade, tivemos uma "onda verde". As pessoas apanhavam o autocarro e os meninos iam de bicicleta ou a pé para a escola, em vez de usar a mãe como um serviço de táxi 24 horas. Tínhamos apenas uma tomada em cada quarto e não um quadro de tomadas em cada parede para alimentar uma dúzia de aparelhos. E nós não precisávamos de um GPS para receber sinais de satélites a quilómetros de distância no espaço, só para encontrar a pizzaria mais próxima.

"Então, não é risível que a actual geração fale tanto em meio ambiente mas não queira abrir mão de nada e não pense em viver um pouco como na minha época?