sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Companhia de teatro vende revistas porno em vez de bilhetes para pagar menos IVA.


Com o IVA dos bilhetes de teatro taxado a 21% e o das revistas pornográficas apenas a 4%, a companhia de teatro "Primas de Riesgo" encontrou uma forma de contornar o imposto: vender revistas para adultos que servem de bilhete para as peças.
"Quando vimos que as revistas porno tinham um IVA muito baixo, pareceu-nos cómico e paradoxal", explicou a diretora da companhia de teatro, Karina Garantiva, em declarações ao jornal espanhol Publico, citadas pelo Diário de Notícias.
A experiência vai começar com a peça El mágico prodigioso, de Calderón, com estreia a 25 de novembro, em Madrid, e será limitada a 300 pessoas. As revistas/bilhetes podem ser adquiridas online, por telefone ou num quiosque de Madrid. 
Os interessados "vão ter de identificar-se e assinar um documento em que dizem que estão a realizar um donativo para uma campanha. Os resultados vão ser usados em estudos sociológicos para determinar como é possível que numa sociedade como a espanhola do século XXI, uma revista porno tenha um IVA mais reduzido do que uma peça de Calderón", acrescenta a responsável.
Ler mais: 
http://visao.sapo.pt/companhia-de-teatro-vende-revistas-porno-em-vez-de-bilhetes-para-pagar-menos-iva=f800079#ixzz3Hjmf2g2T



quarta-feira, 29 de outubro de 2014

“Os Maias” de Eça de Queirós para quem não gosta de ler ou não tem tempo.


Era uma vez um gajo chamado Carlos, que vivia numa casa tão grande que levava p’raí umas vinte páginas a dizer como é que era. Quem gosta de imobiliário, tem aqui um petisco, porque aquilo tem assoalhadas grandes e boas e, pronto, mas p’ra mim não serve, que eu imóveis só com a fotografia, que às vezes um gajo é artista a escrever e depois uma pessoa vai a ver a casa e não tem nada a ver com o que imaginou.
Portanto, o gajo chama-se Carlos e o pai matou-se quando ele era pequeno, porque a mulher fugiu com um italiano e levou a filha que eles também tinham e… e ele matou-se, não faz sentido, porque o que não falta p’raí são gajas. Ora o puto fica com o avô e tal, vai crescendo e torna-se um gajo fino, bem vestido e que vai a boas festas.
Às tantas vê uma gaja e pensa: “Ui, que gaja tão boa!” e p’raí na página 400 começam a ir para a cama os dois e andam aí umas boas 200 páginas, pim, pim, troca e vira e agora nesta casa e agora naquela e pumba e… só que às tantas vem um gajo e diz: “-Eh pá, olha que a moça é tua irmã!” e o Carlos fica “eh pá, isso não pode ser, que nojo!” de maneiras que dá-lhe só mais duas ou três trolitadas e vai dar uma volta ao mundo, para espairecer, e acaba tudo em bem porque, ao menos, não tiveram filhos. Porque se tivessem eram, de certeza, meio tantans, babavam-se, como o meu primo Zé Luís, que os pais também eram parentes.

ENSINAMENTOS DA OBRA

1 – Tu nunca sabes o que é que os teus pais andaram a fazer, porque eles, em princípio, nasceram primeiro do que tu, de maneiras que, quando conheces uma gaja o melhor é dizer: “Oh menina, o seu passaporte se faz favor, nunca fiando, que eu gosto de fazer tudo certinho!”

2 – Outra coisa que o Eça de Queirós ensina é que às vezes mais vale um gajo ser cão, porque eu tive um cão, que era o Patusco e o gajo não respeitava nada, nem ninguém, era irmãs, era a mãe, era tudo a eito e não era nada com ele.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O padeiro dos livros felizes edita uma obra por dia.


Chamam-se Pulcinoelefante, são feitos manualmente, não há dois iguais. Já são quase 9300 livros editados por este tipógrafo, poeta, pintor, escultor. A Biblioteca Nacional abriu ontem uma exposição dedicada aos pulcinos.
Houve um tempo em que Alberto Casiraghy era um tipógrafo infeliz empregado numa grande tipografia que imprimia jornais. Numa tarde ventosa de 1982 fez um livro todo manufaturado. Foi o seu dia inaugural e das mãos saiu-lhe Una Lirica, Una Immagine de Marco Carnà, o primeiro Pulcinoelefante da história. Agora, mais de nove mil livros e 30 anos de celebridade depois vai ter a sua primeira exposição em Portugal. 9000 Formas da Felicidade: as Edições Pulcinoelefante, inaugurou ontem na Biblioteca Nacional, em Lisboa, onde fica até 31 de janeiro.
Alberto Casiraghy,62 anos, apresenta-se como um "padeiro de livros", o único padeiro que trabalha durante o dia, e de facto, desde 1992, em média, tem editado mais de um título a cada 24 horas... Os livros de Alberto são quatro ou seis folhas de papel Hahnemühle, tamanho A4, dobradas em A5. Contêm um aforismo ou um pequeno poema impresso em carateres móveis, e uma ilustração: uma impressão digital dos desenhos de Alberto, uma xilografia, águas-fortes, litografias, fotografias, colagens, desenhos e pinturas com todas as técnicas, ready--mades, esculturas, as intervenções mais variadas. As tiragens vão de 15 exemplares a 30 ou 35, numerados sequencialmente mas não há dois livros iguais.
Alberto Casiraghy vive ainda na aldeia de Osnago, onde nasceu, junto ao Lago Como, Itália. A sua casa é também a oficina onde trabalha entre excêntricas máquinas vindas de séculos passados, tintas, metal e muito, muito papel.

Raramente viaja, pois são os artistas, os poetas e ilustradores ou as crianças da rua que vão ter com ele. Gente famosa e gente anónima não interessa. "São pessoas que me vêm dar a sua arte, a sua companhia e em troca eu ofereço-lhes a minha arte, a minha casa, a minha comida", contou Casiraghy em entrevista telefónica ao DN.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

João Machado é um mestre do design da Graphis.


O designer gráfico português João Machado foi distinguido na edição de 2015 do International Journal of Visual Communication – Graphis como um dos seus mestres do design.
Nessa lista de mérito, João Machado surge ao lado de Alan Fletcher, Takenobu Igarachi, Werner Jeker, Gunter Rambow e Massimo Vignelli. Na mesma edição especial em que a publicação divulga alguns dos melhores trabalhos internacionais da indústria da comunicação visual, surge ainda como vencedor em duas categorias de premiação: Ouro para Melhor Cartaz pelos materiais de divulgação das Festas de Almada de 2013 e ainda pelas campanhas ambientais Roots Think Green (2014) e Water for Life (2014), e Mérito tanto pelo trabalho para as celebrações do 25 de Abril também de Almada (2013) como pelo cartaz do festival de Cinanima (edição de 2014).
Sobre os cartazes premiados com o Ouro, o designer gráfico diz ao PÚBLICO que no caso das Festas de Almada, por ocasião do S. João, “a imagem desenvolvida baseia-se numa forma que não é mais do que uma interpretação pessoal daquilo que é o balão de S. João”. “As cores utilizadas fazem parte da minha paleta habitual de cores. Cores planas acentuadas por grandes contrastes, características afinal comuns a este tipo de festas populares”, explica João Machado.
Já no que diz respeito aos outros cartazes, desenvolvidos no contexto da preservação ambiental, pretende-se  sensibilizar as pessoas para a necessidade de garantir um planeta mais sustentável: “Ambas as imagens pretendem representar a vida (terra e água). A raiz ainda que doente e pálida, mas que é capaz de se regenerar, se assim o quisermos. As cores que as suas extremidades assumem são sinais dessa vida. No cartaz Water for Life, o movimento e as cores sugeridas por criaturas marinhas conferem a energia e a vitalidade de um planeta habitável e ideal.”
Várias vezes distinguido por esta publicação, João Machado, nascido em Coimbra em 1942 e formado em escultura pela Escola Superior de Belas Artes na Universidade do Porto, trabalha como designer desde o arranque dos anos 1980. Há um ano, recebeu também o Ouro para Melhor Cartaz com o trabalho que fez para promover as Festas de Almada, novamente, e ainda pela campanha Think Green e pelo poster do Cinanima.
A Graphis edita várias publicações especializadas em design, artes gráficas, fotografia e publicidade. Com mais de 300 edições até hoje, foi publicada pela primeira vez em 1944 em Zurique, na Suíça, tendo mudado a sua sede para Nova Iorque em 1986, quando o título foi comprado por B. Martin Pedersen. Ao contrário de outros concursos, aqui não há prémio monetário. A recompensa é o reconhecimento e a oportunidade de poder mostrar o trabalho produzido. 
João Machado tem trabalhado para clientes nacionais e internacionais entre os quais se contam empresas de referência como a Ach Brito e a Amorim, grandes instituições como a Assembleia da República, a Fundação Calouste Gulbenkian, o Centro Cultural de Belém e a Fundação Oriente, vários museus e institutos públicos bem como uma multiplicidade de câmaras municipais.  



Já este ano, o designer gráfico viu o seu trabalho ser distinguido no Grande Prémio Asiago de Arte Filatélica, que lhe atribuiu o Melhor Selo do Mundo, na categoria Turismo, com o selo de 0,36 euros da emissão filatélica "Ano Internacional da Estatística".  (Jornal Público – Out. 2014)

domingo, 19 de outubro de 2014

As imagens que faltaram.


À volta das imagens registadas pelos exércitos aliados durante a libertação dos campos de concentração nazis, e da sua montagem de acordo com as indicações de Hitchcock, o DocLisboa propõe um ciclo de filmes-testemunho sobre o poder e a capacidade do cinema representar uma realidade difícil de compreender.
Quando, em 1945, o produtor britânico Sidney Bernstein convidou Alfred Hitchcock para supervisionar a montagem de imagens recolhidas no terreno durante os últimos combates da Segunda Guerra Mundial, fê-lo por uma razão muito simples: queria deixar algo para memória futura. Para que a História recordasse o que os soldados – americanos, russos, britânicos – haviam encontrado ao longo do seu percurso de libertação da Europa: o horror apocalíptico dos campos de concentração nazis.
Essas imagens, sabemo-lo hoje, deram a volta ao mundo; mas não exactamente do modo que Sidney Bernstein, então adstrito ao serviço de propaganda do exército britânico, o tinha pensado. Filmadas por militares treinados para operar câmaras, seriam usadas em julgamentos como prova dos crimes de guerra cometidos, ou incluídas parcialmente em jornais noticiosos. Mas o documentário de fundo que Bernstein quis fazer, um trabalho de “serviço público” sobre o segredo mais bem guardado do regime de Hitler, nunca foi acabado – até 2014, quando o Museu Imperial da Guerra britânico estreou, no festival de Berlim, a montagem “final” desse filme sob o título desapaixonado German Concentration Camps Factual Survey.
Essas imagens “que faltavam”, 70 anos depois de terem sido rodadas, servem de ponto de partida para O Nosso Século XX: O Cinema Face à História, um ciclo paralelo do DocLisboa que olha para a dimensão de testemunho e registo que o cinema pode e deve assumir, para os caminhos tortuosos que estas imagens levaram até chegarem ao écrã. Ou, nas palavras de Cíntia Gil, uma das directoras do festival, para uma série de questões históricas sobre a representação dos acontecimentos mais radicais e importantes do século XX. A atenção que o documentário sempre prestou aos grandes temas mundiais torna este ciclo significativo para um evento que nunca se quis amorfo nem acéfalo mas em estreita ligação com o mundo que o rodeia. “No Doc sempre fizemos um esforço para não fechar a programação em questões temáticas,” explica Cíntia, “mas também não queremos fazer de um festival tão grande uma série de ilhas sem comunicação.”
Essa ligação está presente no modo como o programa enquadra as duas sessões de German Concentration Camps Factual Survey (quarta, 22, às 22h00, na Culturgest, e quinta 23, às 19h45, no cinema Ideal), apresentadas por David Walsh, curador do Museu Imperial da Guerra (por indicações expressas do museu, o filme não pode ser exibido publicamente sem a presença de um dos responsáveis pela sua reconstituição). Antes, passará (hoje, à meia-noite, no Ideal) Night Will Fall de André Singer, making ofconvencional mas eficaz que conta a história destas imagens, do filme abandonado e das suas várias vidas. Depois, ver-se-á Falkenau: Vision de l'impossible (sexta 24, às 19h30, na Culturgest, e sábado 25, às 18h45, no São Jorge), registo por Emil Weiss do testemunho na primeira pessoa do realizador Samuel Fuller, um dos soldados americanos presentes na libertação do campo de Falkenau. E mostram-se ainda Parole de Kamikaze,testemunho de um piloto suicida japonês registado por Masa Sawada e Bertrand Bonello (hoje às 21h30 no City Campo Pequeno), ou Veillées d'armes, o trabalho de Marcel Ophuls sobre o jornalismo em tempo de guerra (sábado 25 às 14h00 no São Jorge; o programa completo da secção pode ser consultado no site oficial http://doclisboa.org ).
Buraco negro
Embora não seja o único tema destes filmes, a Segunda Guerra Mundial torna-se nesta edição do Doc numa espécie de “buraco negro” no centro da história europeia do século XX, gerador de testemunhos, histórias e ficções que tecem entre si uma teia cada vez mais complexa de fios narrativos, que não se limita ao documentário puro e duro e fica igualmente patente noutras secções do certame. “A Segunda Guerra Mundial mudou radicalmente a história do cinema, e a relação entre a prática do cinema e o real que o rodeia,” diz Cíntia Gil. “Pode-se dizer que a arqueologia do cinema contemporâneo passa inevitavelmente pela guerra. Mas há uma dimensão de coincidência, porque por exemplo a retrospectiva que dedicamos ao neo-realismo estava pensada muito antes deste ciclo.” 

O neo-realismo italiano é um produto directo do conflito e do imediato pós-guerra (visível no filme colectivo Giorni di Gloria ou em Europa '51 de Rossellini). Mas esse diálogo entre filmes prolonga-se para obras muito mais recentes que parecem traçar as consequências a longo prazo do conflito. Como os filmes que olham para as vontades de independência dos satélites soviéticos (as manifestações na praça Maïdan de Kiev de A Praça de Sergei Loznitsa, filme de abertura, ou o estatuto de pária em limbo da Abecázia independente filmada por Éric Baudelaire em Letters to Max, no concurso internacional), ou a constante memória da guerra nos Alpes italianos filmados por Simone Rapisarda Casanova em La Creazione di Significato(prémio de melhor realizador emergente em Locarno, aqui na competição principal). (Jornal Público - Out 2014)

domingo, 12 de outubro de 2014

Aproveita a vida - O último filme de Robin Williams.



Foi um dos últimos filmes de Robin Williams, que se suicidou em Agosto, e salvo melhor informação o derradeiro estreado em vida dele. Não haverá muito mais razões para a história lembrar Aproveita a Vida, Henry Altmann senão esta, contudo.
O filme de Phil Alden Robinson (autor, nos idos de 80 e tal, de um curioso filme com Kevin Costner, Field of Dreams) até tem um bom princípio ficcional, ao erguer toda a sua narrativa em torno da limitada duração de vida que é estimada ao seu protagonista: exactamente 90 minutos, mais ou menos a duração do filme. Ideia que faz lembrar um clássico da série B dos anos 50 (o D.O.A. de Rudolph Maté), onde tudo girava à volta da iminente, e inexorável, morte da personagem principal.
Bom, mas as semelhanças param aí, isto não é um thriller negro mas na melhor das hipóteses uma suave comédia romântica com o objectivo de animar os espíritos e trazer-lhes “filosofia” positiva. De resto, os 90 minutos são mentira, é apenas o primeiro que vem à cabeça da médica estagiária (Mila Kunis), aliás um bocado desaustinada, quando aquele zangado paciente (o “homem mais zangado de Brooklyn”, como diz o título original) lhe exige saber, na sequência do diagnóstico de um aneurisma cerebral, quanto tempo tem de vida. Ele não acredita mas, nunca fiando, decide “aproveitar” a vida que lhe resta e tentar resolver em hora e meia os inúmeros problemas - com a mulher, com o filho - que tem pendentes. E ela, a médica, depois de se aperceber da asneira, vai atrás dele para tentar remediar a situação. A mecânica dos primeiros dois terços do filme é esta - ela no rasto dele, por Brooklyn fora.
Mas estas premissas - tempo e espaço - são tratadas de forma canhestra e indiferente, sem relevância formal, tudo se apagando em função da história que há a contar, a de um homem revoltado (uma das primeiras cenas, Williams entalado no trânsito da hora de ponta, parece vinda do “Falling Down” de Joel Schumacher) à procura do apaziaguamento quando confrontado com uma morte próxima. Tudo se passa dentro dum esquematismo mole e apressado, que se acerta nalguns momentos cómicos (a cena em que Williams descobre a que a mulher tem um amante, por exemplo) falha por completo a dimensão dramática - como tentativa de suicídio na Ponte de Brooklyn, que pedia um Frank Capra que já não há. Robin Williams, fisicamente mais esquisito (o pescoço parece que desapareceu por inteiro) e envelhecido do que nunca, com uma voz como nunca a ouvimos, suja e roufenha (uma voz de “velho”), é uma figura interessante, sobretudo quanto tem que interpretar a ira descontrolada do seu protagonista – mas mesmo nessas alturas o filme nunca consegue dar o salto para fazer da personagem uma presença realmente perturbante, que traga ao espectador alguma incerteza. Williams merecia mais filme, como provavelmente merecia ter tido mais filmes ao longo da carreira. Acabou assim, e sendo as coisas o que são, é o filme que há para se lhe fazer a despedida. (Jornal Público)

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Modiano: um escritor longe dos "grandes alaridos".


O editor Manuel Alberto Valente, responsável pela publicação em Portugal de várias obras de Patrick Modiano, hoje laureado com o Nobel da Literatura, sublinha a sua escrita subtil, "como uma música". Tal como o autor, que prefere geralmente manter-se longe dos holofotes.
"Nunca o conheci pessoalmente, é um homem muito avesso a viagens e a encontros sociais. Convidei-o várias vezes a vir a Portugal, para os lançamentos dos livros, mas nunca foi possível. Mas conheci-o através das leituras, já nos anos 80", conta Manuel Alberto Valente, satisfeito mas não completamente surpreendido com este Nobel. "Sempre achei que era uma voz completamente distinta no panorama da literatura europeia e que, mais cedo ou mais tarde, seria reconhecido." O primeiro livro que editou de Patrick Modiano foi Domingos de Agosto, ainda na Dom Quixote. Depois publicou-o na Asa e mais recentemente na Porto Editora.
O que mais distingue este escritor, diz Manuel Alberto Valente, é a sua temática: "Praticamente aborda sempre o mesmo tema, que é a memória e a importância que a memória tem na vida do ser humano, o que conduz para um subtema também recorrente, que é a ocupação de Paris durante a Segunda Guerra Mundial." O editor dá como exemplo disto mesmo o romance Dora Bruder. "A obra gira sempre em torno desta obsessão com a memória, esta é a sua marca criativa mais pessoal."
Além disso, sublinha, a crítica francesa também costuma referir-se ao seu estilo de escrita como uma "pequena música". "Não é um autor de grandes alaridos. A sua escrita é antes como uma música suave. É uma voz muito elegante, subtil e discreta. Não é um autor que atraia multidões, está muito longe do troar de tambores que caracteriza muita da literatura contemporânea", comenta.

Quanto a novas edições em Portugal de Modiano, Manuel Alberto Valente não pode avançar quando haverá: "Espero que tenhamos oportunidade de continuar a revelar as obras deste autor" (DN-09.10.2014)


domingo, 5 de outubro de 2014

Em Lisboa, Pamuk diz que "a Europa precisa de ter uma discussão séria sobre os seus valores".


Na sua primeira visita oficial a Portugal, para receber um prémio que reconhece o seu contributo para o património cultural europeu, o Nobel da Literatura deixou um recado: “A herança cultural europeia não se deve limitar à preservação dos seus monumentos, mas também à preservação dos seus valores fundamentais”
O escritor turco Orhan Pamuk defendeu esta sexta-feira em Lisboa que “a Europa precisa de ter uma discussão séria sobre os seus valores fundamentais”. O Nobel da Literatura de 2006, autor de uma obra literária sobre a procura de uma identidade turca, dividida entre o Ocidente e o Oriente, entre modernidade europeia e tradição muçulmana, recebeu esta noite o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Património Cultural na Fundação Calouste Gulbenkian, com um discurso em que prestou tributo à tradição cultural europeia, mas que terminou com uma nota crítica.
“A herança cultural europeia não se deve limitar à preservação dos seus monumentos, mas também à preservação dos seus valores fundamentais”, disse o escritor, na sua primeira visita oficial a Portugal. “E temos de ter uma discussão séria sobre esses valores fundamentais.”
Pareceu claro que era um recado para a Europa – não por acaso, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, estava presente na primeira fila – embora Pamuk não tenha especificado o que queria dizer com isso, talvez para não correr o risco de soar pouco diplomático. Mas o que Pamuk quis dizer terá talvez a ver com o que respondeu numa entrevista em Dezembro do ano passado, quando um jornalista colombiano lhe perguntou se se sentia europeu. “Não sei. Não penso nesses termos. Em primeiro lugar, sinto-me turco. E um turco tanto se sente europeu como não europeu. Acredito numa Europa que não se baseia no cristianismo, mas no Renascimento, na modernidade, na ‘liberdade, igualdade, fraternidade’. Essa é a minha Europa. Acredito nessas coisas e quero fazer parte delas. Mas se a Europa é a civilização cristã, lamento: nós, turcos, não queremos entrar.”
No debate sobre a hipotética entrada da Turquia na União Europeia, Pamuk – um turco cosmopolita e laico que se autodefine como um “muçulmano, mas apenas no sentido cultural” – emergiu como um intérprete do diálogo entre civilizações. Daniel Cohn-Bendit disse que foi Pamuk quem o ajudou a “perceber a importância de a Turquia aderir à União Europeia”. Até mesmo o ex-Presidente americano George Bush se referiu à obra do escritor como “uma ponte entre culturas”, notando que ela mostra como “pessoas noutros continentes e civilizações” são “exactamente como nós”.

Em defesa das pessoas normais
Atribuído pela primeira vez no ano passado ao escritor italiano Claudio Magris, cuja obra é notória pela sua deambulação cultural (como a de Pamuk), o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, no valor de dez mil euros, é uma iniciativa da organização europeia de defesa do património Europa Nostra em parceria com o Centro Nacional de Cultura e o Clube Português de Imprensa, com o objectivo de distinguir um cidadão europeu que, ao longo da sua carreira, tenha contribuído para a divulgação, defesa e promoção do património cultural e dos ideais europeus.
O presidente do Centro Nacional de Cultura e membro do júri, Guilherme de Oliveira Martins, notou que a atribuição do prémio a Pamuk teve em conta “o cidadão apaixonado pela defesa do património cultural, mais do que o grande romancista”, embora o seu discurso tenha sido dominado por referências e citações constantes do último romance do escritor, O Museu da Inocência(ed. Presença), publicado em 2008.
Pamuk confessou-se “lisonjeado e honrado” pela atribuição do prémio, que lhe foi entregue pelo secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier.
Falando em inglês, o escritor lembrou como concebeu um romance e um museu ao mesmo tempo, referindo-se a O Museu da Inocência, ficção sobre um homem que colecciona todos os objectos tocados pela mulher que amou e que perdeu e ao edifício com o mesmo nome que abriu em Istambul, a cidade onde nasceu e onde vive, com objectos que foi juntando para o processo de escrita do livro e que é hoje, também, um museu sobre a vida quotidiana da classe média turca na segunda metade do século XX.
“Os verdadeiros romances centram-se em pessoas normais, no seu dia-a-dia”, disse. Com a entrada na modernidade, a literatura deixou de se interessar pelos reis e poderosos para se ocupar da história de pessoas simples, como se fossem reis – Joyce fê-lo em Ulisses, notou. Pamuk defendeu que os museus deviam fazer o mesmo. “Deixem de prestar atenção à nação e aos reis e dediquem-se aos pequenos detalhes das nossas vidas quotidianas. É por isso que defendo que precisamos de pequenos museus”, disse.

Nesta segunda edição do Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, foi também atribuído um prémio especial de carreira ao historiador de arte José-Augusto França por ter “fomentado a tomada de consciência e o sentimento de orgulho relativamente à arte portuguesa, relacionando-a com a cultura europeia e mundial”. O júri distinguiu ainda o jornalista holandês Pieter Steinz com uma menção especial pela criação de uma enciclopédia de ícones culturais europeus. (Jornal Público)