domingo, 27 de dezembro de 2015

Os mais belos livros do ano.


Fim do ano é tempo de balanço. E eu abalanço-me aqui a escolher os livros mais belos do ano. São todos óptimas prendas de Natal de última hora. Como não há bela sem senão, o seu preço é maior do que a média. Pois que a sugestão de livros mais dispendiosos fique como um sinal do desaperto do cinto. Ouço dizer que vem aí a reposição gradual dos salários e da sobretaxa de IRS. Fico, como toda a gente, satisfeito com o anúncio e mais disposto a abrir, nas livrarias, os cordões à bolsa. O certo é que, conforme me lembram os pontuais extractos, o meu banco ainda não sabe desse fim da austeridade. Mas eu quero lá saber se, ao comprar um belo livro para mim ou para oferecer, o saldo fica mais baixo... Investir em belos livros é investir na beleza e a beleza é sempre consoladora. A ordem é a alfabética do apelido dos autores (o título parcialmente em inglês indica que a edição é bilingue).
– Pepe Brix, Os Últimos Heróis. The Last Heroes, Matéria-Prima Edições. Este livro de fotografias ilustra a odisseia dos pescadores portugueses a bordo do arrastão Joana Francesa, um dos últimos bacalhoeiros nacionais, nos mares frigidíssimos da Terra Nova. Em parte saiu na National Geographic Portugal de Fevereiro passado. Mas a reportagem, alargada e em grande, é outra coisa. Passei a olhar o bacalhau com outros olhos. Patrocínio da Riberalves e apoio do Museu Marítimo de Ílhavo, que exibe um aquário de bacalhaus.
– Hélder Carita e António Homem Cardoso, A Casa Senhorial em Portugal. Modelos, Tipologias, Programas Interiores e Equipamento, Leya. Lançado há dias numa das casas senhoriais mais belas de Portugal, o Palácio dos Marqueses de Fronteira, em Lisboa, um historiador de arte e um dos fotógrafos portugueses mais conhecidos mostram, sob a égide da Associação Portuguesa de Casas Antigas, o exterior e o interior de algumas dessas mansões. Os autores já nos tinham dado edições de luxo como Oriente e Ocidente nos Interiores em Portugal (Civilização) e Tratado da Grandeza dos Jardins de Portugal (Círculo de Leitores) e esta é mais uma, para se sobrepor a elas na mesa do café.
– Miguel Claro, Dark Sky. Alqueva. O Destino das Estrelas. A Star Destination, Centro.Atlântico.pt. Neste Ano Internacional Da Luz (notícia de última hora: vai, em Portugal, ser estendido até Junho) um livro de um astrofotógrafo português de reputação internacional que documenta a Reserva “Dark Sky” do Alqueva, a primeira reserva mundial certificada como Destino Turístico Starlight. Imagens avassaladoras que nos vêm de longe vistas do grande lago alentejano!
– Umberto Eco, História das Terras e dos Lugares Lendários, Gradiva. O historiador e escritor italiano, autor de O Nome da Rosa, brinda-nos com mais uma das suas belas obras, que junta erudição e rica iconografia. Quem gostou da História da Beleza ou da História do Feio ou ainda de A Vertigem das Listas (todos eles saídos na Difel) não pode perder este roteiro dos lugares maiores que a pródiga imaginação humana criou.
– Mário Ruivo (coordenação), Do Mar Oceano ao Mar Português. From the Mar Oceano to the Portuguese Sea, Edições CTT e Centro Nacional de Cultura. Um renomado cientista do mar português coordenou, para este cuidado volume dos Correios de Portugal (como é timbre desta instituição), um conjunto de textos ricamente ilustrados sobre a nossa antiga e íntima relação com o mar, que vão da história à gastronomia. Inclui uma colecção de selos.
– Peter Sís, O Piloto e o Principezinho. A vida de Antoine de Saint-Exupéry,Jacareca. Um autor premiado de livros infantis encanta-nos com o extraordinário design de uma biografia do autor de O Principezinho (que, pesem embora os seus 72 anos, permanece actualíssimo, como mostra a sua recente adaptação ao cinema em desenhos animados). Eu já conhecia aÁrvore da Vida, a biografia de Darwin distinguida como melhor álbum ilustrado do ano pelo The New York Times, mas com o novo livro fiquei rendido ao artista norte-americano nascido na Checoslováquia.
– Vários, O Círculo Delaunay. The Delaunay Circle, Centro de Arte Moderna, Gulbenkian. Ainda no Ano da Luz é publicado o catálogo de uma extraordinária exposição de Sonia e Robert Delaunay, o casal de pintores franceses (ela vinda da Ucrânia) que em Junho de 1915 se estabeleceu em Vila do Conde para fugir aos horrores da guerra que grassava na Europa, tendo convivido com pintores como Amadeo de Souza-Cardoso, Eduardo Viana e José de Almada Negreiros. Lembro que Sonia Delaunay foi alvo de uma exposição recente na Tate Modern em Londres. Para ficar espantado com as suas composições de cor, basta ir à Fundação Gulbenkian à exposição comissariada por Ana Vasconcelos.
Boas leituras e Boas Festas!

Professor universitário (tcarlos@uc.pt) - Jornal Público - 27.Sez.2015

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Portugal - Um dia de cada vez.



O retrato do Portugal em crise que vive por detrás dos montes, num documentário ao estilo de João Canijo, cheio de histórias para contar.
 efeitos devastadores da grave crise económica são um tema urgente no cinema português, numa compreensível vinculação do artista ao seu tempo, à sua circunstância e ao mundo em redor. Tal transparece de forma gritante n'As Mil e Uma Noites, de Miguel Gomes; tal como neste Portugal - Um Dia de Cada Vez, de João Canijo e Anabela Moreira, a primeira parte de um longo projeto que pretende fazer uma espécie de radiografia de um país em crise. Os registos são distintos e, de alguma forma, complementares. Miguel Gomes opta por um realismo onírico, passe-se a contradição, em que a fantasia e a realidade convivem lado a lado, com cruzamentos ocasionais, e muitas vezes ao serviço de um experimentalismo narrativo e cinematográfico. Canijo e Moreira optam por um estilo mais clássico, num documentário mais cru, objetivo e eficaz. Portugal - Um dia de Cada Vez confronta-nos com pedaços de realidade não filtrada (na aparência) de famílias de aldeias e vilas do interior transmontano.
Os realizadores mostra-nos que esse documentarismo de proximidade manifesta-se numa forma íntima de contar histórias. E, como acontece sempre com João Canijo, o registo é profundamente cinematográfico e artístico, afastando-se radicalmente, por exemplo, da assinalável experiência televisiva da série de documentários Portugal, Um Retrato Social.
Tal acontece por uma questão de postura, em que se dá a primazia ao cinema e sua subjetividade inerente, e não a uma responsabilidade científica que obriga a escolher casos exemplares sociologicamente pertinentes. O filme de Canijo e Moreira obedece antes a preceitos artísticos e estilísticos e não científicos.
Logo à partida há uma opção por um estilo de documentário não participante, em que as personagens comportam-se como personagens de ficção, abstraindo-se da câmara, dando-nos a sensação de que estar perante a sua vida sem artificialismos. Tão pouco há uma contextualização narrativa em voz off ou através de separadores. Tal como havia feito através da montagem de imagens de arquivo em Fantasia Lusitana, aqui as imagens falam por si, sem recursos a qualquer subterfúgio para além da edição.
Por outro lado, dentro da aparente abrangência de retratos, que vai desde uma escola de província onde se aprende francês, à romena que trabalha na vinha em redor de Vila Nova de Foz Côa, permanece o fascínio pelo universo feminino, que é uma imagem de marca de João Canijo ao longo de quase toda a sua filmografia. Também este Portugal - Um Dia de Cada Vez é um filme de mulheres, em que os homens aparecem como meros figurantes das suas história. Certamente há uma inquietação sobre a profundidade do universo feminino, mas talvez também haja neste caso a intenção de fazer sobressair a ideia de mátria, tão forte também no Portugal contemporâneo.

retirado de: https://www.google.pt/?gws_rd=ssl#q=jornal+de+Letras

domingo, 1 de novembro de 2015

"Fátima podia ser melhor contada".



O que aconteceu entre maio e outubro de 1917 foi transformado no livro 'Em Teu Ventre'.
Por Leonardo Ralha
 A história de Lúcia, a menina que garantiu ter visto e falado com Nossa Senhora, é recontada por José Luís Peixoto no livro ‘Em Teu Ventre’ (Quetzal). O escritor garante à ‘Domingo’ que pretendeu gerar reflexão sobre um fenómeno que respeita.
Calcula como é que a sua mãe reagiria se aos dez anos lhe dissesse que tinha visto a Virgem Maria?
É uma pergunta curiosa, pois coloca o que aconteceu no campo do real. Muitas vezes, ignora-se algo fundamental: estamos a lidar com um acontecimento. Não depende da fé acreditar que três crianças, a mais velha com dez anos, afirmaram assistir à aparição de Nossa Senhora, a mãe de Jesus, numa azinheira, num campo do concelho de Ourém. Não consigo imaginar esse cenário na minha vida e não faço a mínima ideia do que a minha mãe poderia dizer – antes de pensar nela e na sua reação, penso no que eu era enquanto criança de dez anos e em como o Mundo era pouco nítido quando tinha essa idade.
A Galveias em que cresceu, nos anos 80, tinha algo em comum, por mais remoto, com a Fátima de 1917?
A primeira vez que fui a Fátima foi numa excursão da catequese. Galveias tem uma fundação, gerida pela Igreja Católica, o que faz com que tenha uma presença de freiras, que ministravam a catequese e iam à escola primária. A minha escola tinha, e ainda tem, um crucifixo na parede.
Como lhe apareceu a ideia de escrever a história daquela que viria a ser a irmã Lúcia e da sua família?
Interessei-me em ler um pouco mais sobre a história e tomei conhecimento de detalhes alheios àquilo que me fora transmitido. Aprendi a versão simplificada, mais comum, partilhada e, a meu ver, um pouco grosseira e infantil. Quase transformaram uma história concreta numa lenda pontuada por momentos que requerem fé. Quando li um pouco mais sobre a história, senti que podia ser melhor contada.
Houve algum momento em que tenha sentido medo de escrever sobre algo que diz tanto a tantas pessoas?
Da primeira à última palavra senti esse receio. Queria evitar transformar o livro numa provocação. Pelo contrário, a minha vontade era que pudesse propor reflexão, estimulando debate com respeito. Muitas vezes, quando se fala neste tema, tenta-se logo marcar uma posição quanto à fé. Sinto que há outras questões e que a fé é uma posição pessoal, até íntima, de cada um. Para passar à margem disso escolhi fontes que a Igreja Católica reconhece. As memórias da irmã Lúcia e o livro do padre João de Marchi. São textos com uma quantidade interessante de detalhes que me permitiram construir um livro, económico do ponto de vista da narrativa, mas que tenta retratar aquele período com realismo. Ao mesmo tempo, tive outra intenção, que não sei se ficou visível, mas foi importante: uma reflexão sobre a espiritualidade e o transcendente, que existe nas mais diversas formas, e faz sentido que cada um aceite. Esteve nos locais em que Lúcia e os primos Francisco e Jacinta viveram.
Sentiu algo especial?
Houve coisas que me tocaram bastante. Nomeadamente a forma como aquelas pessoas viveram. Atraiu-me mostrar a ruralidade, que muitas vezes Fátima simboliza. Nasci e cresci na ruralidade e acredito que esse Portugal ainda está presente, ainda que camuflado, em múltiplos traços daquilo que somos. E não me parece interessante que o rejeitemos por vergonha. Devemos procurar o que tem de positivo e aceitá-lo como parte daquilo que somos.
Compreende que, apesar de Fátima ser para muitos sinónimo de fé, haja quem a associe aos vendilhões do templo?
Compreendo os dois lados. O livro foca-se nos meses das aparições, de maio a outubro de 1917, mas a história teve desenvolvimentos. Se tivesse terminado aí, a Igreja teria rejeitado as aparições. Só as aceitou em outubro de 1930. Até porque era um fenómeno que vinha do povo… E envolvia algo muito caro à Igreja Católica. No livro, o padre é a personagem mais cética. Isso é histórico. Foi narrado por diversas fontes, incluindo a irmã Lúcia. Hoje, ao visitarmos Fátima, encontramos muitas formas de viver o fenómeno e algumas chocam muitas sensibilidades. Nomeadamente as lembranças feitas na China. Logo no momento das aparições houve quem falasse na possibilidade de Fátima se tornar uma estância religiosa, como Lourdes, o que aconteceu. É um destino turístico, visitado por milhares de pessoas. Muitas das quais não são católicas. Umas irão movidas pela sua fé e outras pela curiosidade. Certamente que há atrações para umas e para outras.
O livro não tem descrições das aparições. Fez essa escolha por não conseguir acreditar?
Foi a estratégia que encontrei para não ter de tomar partido. Não por pudor de apresentar a minha posição, mas porque senti que desvirtuaria as minhas intenções. Preferi fixar--me naquilo que me causa menos dúvidas, pois são factos históricos e mesmo assim acredito que tragam surpresas. Não me parece de forma alguma que as famílias de Lúcia e dos primos fossem pobres, como não me parece que fossem uns sacrificados por serem pastores. Havia outras crianças com trabalhos muito mais pesados e vidas mais difíceis nessa época.
É, ou alguma vez foi, um membro da Igreja Católica Apostólica Romana?
Tenho dificuldade em responder. Não posso fazer essa afirmação de forma inequívoca, a não ser talvez em momentos da infância, quando estava na catequese e frequentava a missa semanalmente. A certa altura afastei--me da instituição, mas não tenho dúvidas de que a minha estrutura moral foi formada nesse contexto. A religiosidade é algo que herdamos e que molda critérios e visão. Não podendo afirmar que tenho devoção, também não posso afirmar que os princípios da Igreja Católica me são totalmente alheios. Cresci e formei-me nessa cultura. Não é sequer uma escolha.
Interessa-lhe saber o que os religiosos pensarão desta narrativa?
Bastante. Apreciei a oportunidade de apresentar o livro em Fátima, na presença de figuras ligadas ao culto mariano e ao Santuário. Não quis que o livro fosse agressivo para com uma fé que respeito. Tenho admiração por quem a tenha. As primeiras palavras do livro são "tudo começa pela esperança" e a esperança, além de sinónimo de fé, é essencial à vida.
A mãe de Lúcia, que desconfia das aparições desde o início, tem mais medo do desconhecido ou de estar a ser trocada por outra mãe?
Sinto que a mãe de Lúcia estaria a proteger a família. Mas do ponto de vista simbólico temos duas mães em paralelo: a idealizada e divina e a concreta, com fragilidades.
Tal como ‘Morreste-me’ era um livro em nome do pai, ‘Em Teu Ventre’ é um livro em nome da mãe?
Sem dúvida. No entanto, ao contrário do meu primeiro livro, que dizia respeito ao meu pai, em concreto, este propõe uma reflexão sobre as mães, à margem da minha. Apesar de uma das narradoras ser mãe do autor. É um jogo literário, que tem a ver com a mãe interior que cada um tem dentro de si, seja qual for a distância ou independentemente de estar viva ou não. É uma voz de apoio e de crítica que deixou dentro de nós. Essa mãe dirige-se ao criador daquele texto, e é, de certa forma, uma aparição. Faz aquilo que Lúcia disse que Nossa Senhora fez em Fátima, atravessando dimensões para se tornar visível.
Era capaz de escrever este livro se a irmã Lúcia ainda estivesse viva?
Não creio. É um livro escrito com distância em relação aos acontecimentos. Apesar de a irmã Lúcia não ter morrido há muito tempo, isso pesou na possibilidade de poder refletir e ficcionar o assunto.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Marilyn e outros lá de casa, atrás da lente.

A exposição Sam Shaw: 60 Anos de Fotografia revela uma espécie de caleidoscópio do século XX. Inaugura esta sexta-feira no Centro Cultural de Cascais.
Não há como fugir. Sam Shaw será sempre aquele que captou Marilyn Monroe e o seu vestido esvoaçante sobre um respiradouro do metro de Nova Iorque. Estavam na rodagem do filme O Pecado Mora ao Lado (1955) e Marilyn posava para Sam, que tanto haveria de a fotografar. Tanto que há uma sala só dela na exposição Sam Shaw: 60 Anos de Fotografia, que hoje inaugura no Centro Cultural de Cascais. Marilyn, de roupão vestido, olha-nos de uma janela com a cara assente na mão direita. Sorri, mas não lhe conseguimos decifrar o rosto. Marilyn de calças de ganga. "Hoje toda a gente usa jeans. Ela contou ao Sam que as vestia, ia nadar no oceano - vivia na Califórnia - com elas vestidas, depois punha-se ao sol e deixava-se secar ao sol para que elas ficassem justas ao corpo."
Chama-lhe Sam, mas é sua neta. Melissa Stevens está em Cascais para assistir à montagem e inauguração da mostra que junta 200 fotografias do avô. Pouco depois da sua morte, em 1999, dedicou-se aos seus arquivos. Aqueles que guardam - ainda - Marilyn numa banheira. "Sam foi buscá-la. Não me lembro qual era o evento. Ela estava atrasada, estava toda a gente à espera. Ela estava na banheira, a tomar um banho cheio de gelo. Fazia-o muitas vezes para pôr o corpo firme antes de se vestir e aparecer em público", diz Melissa recordando uma das muitas histórias que o avô Sam lhe contou.

Percorrer as salas dos 60 anos de fotografia daquele homem de bigode e gabardine vestida (é assim que, numa das salas, surge a fotografar Audrey Hepburn) é como olhar para um caleidoscópio do século em que viveu, tantas são as suas personagens que captou. "Tirava uma fotografia a toda a gente que conhecia.Se não estivesse a trabalhar tinha pelo menos uma câmara, se estivesse a trabalhar tinha quatro." E foi com uma ou quatro que Sam Shaw captou Sophia Loren deitada, de cabeça apoiada no braço que revela uma axila por depilar. Ou John Wayne com o seu chapéu de cowboy em contraluz. Ou, por fim, Marlon Brando de camisa rasgada ajoelhado aos pés de "Stella" (basta a fotografia para que recordemos o grito) no filme de Elia Kazan, Um Elétrico Chamado Desejo (1951). (DN – 11.Set.2015)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Tati - A eles a liberdade.


Tati não depositava muita confiança na capacidade dos adultos para saberem existir livremente. O sopro anárquico estava reservado para as crianças e para os animais, criaturas que não reconheciam barreiras. Em O Meu Tio esta ideia surge limpidamente exposta: os únicos que saltitam alegremente entre os espaços delimitados do “antigo” e do “moderno” sem ficarem presos em nenhum são um grupo de crianças e uma matilha. E Hulot, claro, filmado como espécie de “inconsciência” que guardou um toque de infância e, porque não?, uma medida de animalidade. (Jornal Público – Ipsilon – 21.Agosto.2015)


domingo, 9 de agosto de 2015

O que andamos a ler enquanto molhamos os pés.


Em tempo de férias, são muitos os que aproveitam para pôr as leituras em dia, em todo o mundo. Nos EUA, Harper Lee domina os tops. A Rapariga no Comboio, de Paula Hawkins, está um pouco por toda a parte e Portugal não é exceção...
Portugal fica de fora, por um desfasamento editorial remendado nos próximos meses, do alcance intercontinental - Londres, Paris, Nova Iorque - de dois dos maiores êxitos editoriais que o verão testemunha e, até certo ponto, apadrinha: a versão masculina das peripécias eróticas mais faladas nos últimos anos, com a autora E.L. James a esticar a corda em Grey (As Cinquenta Sombras de Grey narradas por Christian), sucesso comum aos três polos referidos, e o regresso de Scout e Atticus Finch pela mão de Harper Lee em Go Set a Watchman, comandante segura das listas de mais vendidos em paragens anglófonas. Tal como cá, a versão francesa está agendada para o outono. Tanto nas Ilhas Britânicas como nos Estados Unidos, a veterana parceira de Truman Capote alcança uma improvável dobradinha: aproveitando o empurrão de uma sequela escrita antes (é mesmo assim, por estranho que pareça) e o 50.º aniversário da publicação original, Mataram a Cotovia regressa às listas de mais vendidos. O que não pode deixar de saudar-se; haja algo de mais duradouro do que as fugazes levezas estivais.

Em Portugal, além de Hawkins e dos comboios, de Enders e dos intestinos, da chegada em crescendo de Johanna Basford e O Jardim Secreto (o "pinte você mesmo", outra vez), de Green e das cidades, pode entrar-se pelo território muito abrangente da não ficção. E isso pode acontecer em velocidade com Running - Muito mais do Que Correr, de José Soares, manual de exaltação das vantagens e das ramificações da corrida na nossa vida de todos os dias. Nota: levar a vida a correr não é uma variante contemplada. Juntam-se-lhe uma investigação, um alerta e um testemunho. Respetivamente, o diver-tido, esclarecedor e comparti-mentado à medida da concentração estival Puxar a Brasa à Nossa Sardinha, da jornalista Andreia Vale, que parte em busca da origem e do devir de expressões que utilizamos na nossa linguagem corrente; Dicionário de Erros Frequentes da Língua, de Manuel Monteiro, pode mostrar-se um auxiliar poderoso para baixar o nível das consecutivas agressões ao património que mais vezes utilizamos; O Que Vejo e não Esqueço, de Catarina Furtado, narrativa rigorosa - e nem por isso menos suscetível de prender e cativar - de uma vida que vai muito além daquilo que lhe conhecemos na sua profissão e nas suas artes. A honestidade não afeta a envolvência; a emoção não minora a justiça. Para alguns (não para todos), uma belíssima surpresa. (DN - 9.Agosto.2015)

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Quadro de Paula Rego bate recorde em Londres.


The Cadet and his Sister licitado por 1,6 milhões de euros, um novo recorde para a artista portuguesa.
Um quadro de Paula Rego de 1988 foi arrematado nesta quarta-feira num leilão em Londres por 1,6 milhões de euros, um novo recorde da artista portuguesa.
The Cadet and his Sister (O cadete e a irmã), um acrílico sobre papel em tela, de 1988, aborda o tema da despedida, mostrando um cadete vestido com o uniforme do Colégio Militar, de partida para o combate, que se despede da irmã enquanto ela se ajoelha e ata os sapatos.
A composição remete para um importante acontecimento na vida pessoal da pintora portuguesa, porque, nesse mesmo ano, faleceu o seu marido, o também artista Victor Willing, de esclerose múltipla.
Esse ano foi igualmente importante na carreira de Paula Rego, pois passou a ser representada pela galeria Marlborough, em Londres, e foi objecto de uma retrospectiva na Serpentine Gallery, também em Londres.
Propriedade de um coleccionador privado americano, The Cadet and his Sister tinha uma estimativa inicial de entre 846 mil euros e 1,1 milhões de euros, mas acabou por ser arrematado por 1.614.795 euros, um novo recorde da artista, adiantou à agência Lusa fonte da Sotheby's, organizadora do leilão.O recorde anterior estava nos 865 mil euros e foi atingido em 2011 com a venda do quadro Looking back (1987) pela Christie's.
No leilão de quarta-feira, uma outra obra de Paula Rego, Looking Out (1997), um pastel sobre papel em suporte de alumínio, com estimativa entre 707 mil euros e 989 mil euros, foi arrematado por 1.360.941 euros.
Looking Out, criada por Paula Rego em 1997, faz parte de uma série de trabalhos da pintora inspirados no livro O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, a história de um jovem padre que mantém uma relação amorosa clandestina com uma empregada, Amélia.
Esta tela — emblemática de toda a obra de Paula Rego, em que denuncia a condição feminina — retrata Amélia, sozinha, debruçada na janela de uma casa, dando uma imagem de frustração e aprisionamento, enquanto espera o dia do parto.
Warhol também recordista
As obras faziam parte do Leilão de Arte Contemporânea da Sotheby's, que decorre entre hoje e amanhã e que tem obras de Francis Bacon, Lucien Freud e David Hockney.
One Dollar Bill (Silver Certificate), pintado por Andy Warhol em 1962, foi arrematado por 29,4 milhões de euros, o valor de venda mais alto de sempre de uma obra contemporânea num leilão em Londres.
A obra, uma reprodução de uma nota de dólar norte-americano, destaca-se por ser a única pintada à mão pelo artista conhecido pelos seus trabalhos de Pop Art e tinha uma estimativa de entre 18,4 milhões e 25,4 milhões de euros.
Outro recorde para um trabalho em papel foi estabelecido por Head of Gerda Bohm (1961), um retrato que o britânico Frank Auerbach pintou da prima Gerda, e que disparou de uma estimativa de entre 353 mil e 495 mil euros para um preço final de 3,1 milhões de euros.

O valor total obtido no primeiro dia de leilão foi, segundo a Sotheby's, de 130,4 milhões de libras (183,9 milhões de euros). (Jornal Público – 1 de Julho 2015)

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Robert Capa a cores, agora na Europa.


Parece não haver dúvidas de que a última fotografia que Robert Capa (1913-1954) disparou, naquele malfadado dia 25 de Maio de 1954, na localidade vietnamita de Thai Binh, foi feita a preto-e-branco. Mas também é verdade que aquele que ficou para a História como “o maior repórter do mundo” tinha consigo duas máquinas fotográficas, como, de resto, acontecia desde há uma década no seu trabalho. E se a arte, a filosofia e a posteridade da criação fotográfica de Capa ficaram para sempre associadas ao preto-e-branco, desde aquele icónico instantâneo que registou o momento mesmo da morte do miliciano Federico Borrel nos arredores de Córdova, em 1936, no início da Guerra Civil em Espanha, também se sabe desde há algum tempo que o repórter nascido na Hungria também cultivou a cor.



A “revelação” surgiu, com alguma surpresa na altura, no final de 2013, quando o International Center of Photography, organismo fundado em 1974 pelo seu irmão Cornel, anunciou a realização de uma primeira exposição em Nova Iorque sobre essa faceta da obra de Robert Capa. Uma nova selecção dessas fotografias a cores – de um espólio com mais de quatro mil negativos – está agora a ser mostrada pela primeira vez na Europa, na cidade natal do repórter, no Robert Capa Center de Budapeste.
“Para o Governo húngaro, é essencial mostrar ao mundo o património fotográfico húngaro e mostrar a forma como a visão dos artistas húngaros influenciou a história do século XX”, disse Péter Hoppál, ministro da Cultura do país aquando da apresentação da exposição, citado pelas agências informativas.

Mas a verdade é que a fotografia de Capa escapa a qualquer apropriação ou fronteira. Mesmo quando, como acontece com a presente mostra de imagens, o repórter parece repousar em lugares e registos da vida mundana – as férias em família de Pablo Picasso ou Ernest Hemingway; a burguesia internacional nas estâncias de esqui nos Alpes suíços ou nas praias de França; os desfiles de moda em Paris com a Torre Eiffel em fundo; as stars de Hollywood captadas fora do plateau, incluindo Ingrid Bergman, de que se conhece o idílio frustrado com o fotógrafo… – bem distantes desse confronto físico entre a vida e a morte que Capa viveu e testemunhou nas frentes das grandes batalhas do século XX, da Guerra Civil de Espanha à Segunda Guerra Mundial, de Israel à Indochina... (Jornal Público)

sábado, 20 de junho de 2015

James Salter (1925-2015): “A nossa vida está sempre a ir embora”.


“A ficção está acima da verdade. Num outro patamar moral e estético, artístico. A verdade na memória remete para uma verdade mais objectiva, algo que terá acontecido. Terá ele visto? Terá ele dito? Terei sentido? Será que fomos? Eu adoro a memória. A nossa vida acaba por ser só memória. Está sempre a ir embora a todo o tempo, a mudar.”
As palavras foram ditas no final de Abril deste ano por James Salter, a quem chamavam o escritor dos escritores. Foi numa entrevista sobre o seu último romance, e o primeiro que publicou em Portugal: Tudo o que Conta (Livros do Brasil), uma reflexão sobre a passagem do tempo a partir da perspectiva de um homem que não queria ter uma existência comum. A vida passou e esse homem olha para ela, reconstruindo-a com a memória. A memória que passa, que faz que o fez dizer : “a nossa vida está sempre a ir embora”.
A revista Lire considerou Tudo o que Conta o melhor romance estrangeiro publicado em França em 2014 e dedicou-lhe a capa. Pouco tempo antes, o jornal The New York Times escrevia que era um dos escritores essenciais da literatura norte-americana. James Salter morreu na madrugada de sexta-feira. Tinha feito 90 anos no passado dia 10 de Junho.
A voz algo trémula, os olhos de uma frontalidade que podia intimidar, sorriso desenhado no sobrolho, esperava na paragem a camioneta vinda de Nova Iorque. Em Bridgehampton, pequena vila de Long Island que multiplica a população no Verão, há uma rotina de província. A paragem do expresso que chega e parte mais ou menos de duas em duas horas é um ponto de encontro e de trocas. De encomendas, de abraços. Salter esperava a jornalista enquanto lia um livro: Do Lado de Swan, de Marcel Proust. Entrou depois no velho Saab e conduziu uns cinco minutos até à casa de madeira castanha onde vivia com a mulher, a jornalista Kay Eldredge. Era ali que continuava a escrever, diariamente, menos horas do que antes, mas num ritmo constante. Contos, ensaio, crítica, argumento, romance. Era um escritor de escrita lenta.
Tudo o que Conta demorou-lhe trinta anos e teve várias versões até lhe sair como queria. Foi fazendo outras coisas. Além da literatura, ensinava escrita. Desde 1956, ano em que se estreou com The Hunter, publicou seis romances, três colectâneas de contos, um livro de memórias — Burning the Days (1997) —, ensaios; escreveu quatro argumentos para cinema — onde se destaca o filme Downhill Racer, com Robert Redford, em 1966 —, um livro de poesia, e finalmente em 2013 apareceu com Tudo o que Conta. Talvez o exemplo mais brilhante da escrita de Salter.
“Não é um livro biográfico, mas tudo o que eu sei está aqui”, declarou então numa conversa em que tanto quanto responder a perguntas procurava respostas. Queria saber de novos autores, dos que chegam à Europa. E dos que a Europa tem e não chegam à América. E sobre a sua escrita dizia que não sabia bem. “Gostava de poder dizer qualquer coisa mágica”, continuava. Qualquer coisa sobre esse processo que, no seu caso, tinha qualquer coisa a ver com respiração, música, um ritmo, e com a leitura em voz alta do que ia fazendo. Seria harmonia? Ele levantou as mãos no ar, imitou o gesto de um maestro a marcar o compasso e repetiu: “Pam, Pam, Pam”, para depois cruzar as mãos e referir que não há magia ou milagre: “Dá muito trabalho.”
A escrita de James Salter, nome literário de James Horowitz, antigo coronel da força aérea norte-americana, continha uma clareza e elegância que muitos escritores admiravam. Graham Green, Vladimir Nabokov, Richard Ford, John Irving, Bret Easton Ellis, Jay McInerney elogiaram-lhe várias vezes a concisão, a palavra certeira, os recursos que permitiam que quase tudo o que dissesse parecesse simples e nessa simplicidade fosse avassalador. Michael Dirda escreveu um dia no The Washington Post que quando quer Salter “é capaz de nos partir o coração com uma frase”. Era também um caso exemplar em algo que não é literatura, mas determina um percurso literário: um escritor sem vendas raramente consegue ter importância, mesmo que a tenha. Salter tinha-a, mas os seus livros nunca foram best-sellers.

Foi pela literatura que James Salter deixou o exército. Natural de Passaic, estado de Nova Iorque, onde nasceu a 10 de Junho de 1925, filho de um vendedor de imobiliário, cresceu em Manhattan, fez o liceu numa escola privada no Bronx, onde foi colega de Jack Kerouac e, para fazer a vontade ao pai — um antigo militar —, estudou em West Point. Serviu no exército até 1957. Já tinha publicado The Hunters e queria tentar viver da literatura. Mudou de vida e de nome. Fala disso sentado numa poltrona junto à janela. Entrava uma luz de manhã de Primavera com chuva. Ele pousara na mesa em frente Do Lado de Swan. Voltava a livros antigos. Estava a descobrir alguns a que sempre se mostrara relutante. Debaixo do Vulcão, de Malcolm Lowry era a sua última paixão literária. Lera-o no México, onde passava os invernos para escapar ao frio de Nova Iorque. “São livros formadores”, dissera, sem nunca se alongar nas suas coisas: a capacidade de observação, a atenção ao outro, os elogios. A lucidez da escrita é a mesma da conversa. (Jornal Público)

quarta-feira, 10 de junho de 2015

NetFlix vem aí. Canais já pensam em novas formas de dar televisão.


Serviço de TV por internet chega em outubro, a partir de 7,99 euros. Mais um operador que irá pôr os outros players a emitir os conteúdos no PC, smartphone, tablet ou smart TV.
A chegada do NetFlix, em outubro deste ano, irá obrigar os players do mercado da televisão a encontrar novas formas de distribuir os seus conteúdos. Esta é a principal ideia defendida, ao DN/Dinheiro Vivo por vários responsáveis do setor.
O diretor de programação da RTP, Nuno Artur Silva, diz que a chegada deste serviço de distribuição de conteúdos através da internet era "inevitável". Mas "positiva, porque vai obrigar a uma maior disponibilidade de conteúdos e diferentes formas de distribuição".
Isso mesmo defende Nuno Santos, observador atento do mercado da televisão nos artigos que publica ao domingo no DN, que diz que o NetFlix "obrigará todos os players do mercado a acelerar a reflexão que estão a fazer sobre como distribuir os conteúdos."
Para o também diretor de conteúdos da Multichoice (maior plataforma de TV do continente africano), "as novas plataformas são outro instrumento para as televisões".
É também a opinião de Luís Mergulhão, CEO do Omnicom Media Group, que aponta o caso da Media Capital (que detém a TVI), que anunciou recentemente uma plataforma online com a programação do último mês.
Este, tal como outros operadores, já perceberam que "há muitos portugueses a subscreverem conteúdos pagos pela internet, com acesso mais rápido, e que não passam pelos canais aéreos ou de cabo", explica o CEO de um dos maiores grupos de compra de espaço publicitário nos media.
Embora não venha revolucionar o meio, o "NetFlix irá fazer que se perceba que Meo e Nos não estão sozinhos neste meio, nem que têm o exclusivo dos conteúdos de entretenimento", reforça o responsável.
Em comunicado o NetFlix anuncia que, "a partir do outono, os utilizadores de internet em Portugal vão poder fazer a assinatura da NetFlix e assistir a uma ampla seleção de séries de TV e filmes em alta definição ou até mesmo em Ultra HD 4K, em quase todos os ecrãs ligados à internet."
Daí que Luís Mergulhão insista: "O NetFlix é mais um um operador numa oferta cada vez maior", mas sem revoluções. Como a internet permite um acesso rápido, este operador "vai acelerar os conteúdos pagos através de diversas plataformas", remata.
Já no caso do operador público RTP, o NetFlix vem lançar novos desafios. Para Nuno Artur Silva, "uma coisa é disponibilizar conteúdos, outra é ter de escolher programação". Por outro lado, irá fazer a divisão entre fluxo televisivo e stock. "Antigamente tudo coexistia nos canais - séries, filmes, even-tos -, hoje há cada vez mais uma separação", assinala o diretor de programas da RTP.
O NetFlix vai, aponta Artur Silva, "tornar obsoletas conversas como a comparação de shares entre canais", além de "nos fazer pensar como vão sobreviver os canais abertos, nomeadamente o posicionamento do canal público". Mas o seu antecessor, Nuno Santos, indica uma pista: "A TV free-to-air ainda é e será o grande polo de investimento publicitário, até porque o NetFlix não tem um modelo baseado em publicidade." Isso mesmo assume o NetFlix em comunicado: "Os assinantes podem ver, fazer pausas e retomar as séries e os filmes, através de vários dispositivos, sempre sem publicidade ou compromisso de permanência."
Ainda que a marca seja "aspiracional" e que, "por norma, os portugueses sejam muito recetivos a "inovações"", Nuno Santos destaca que "o conteúdo é a chave, mesmo com um preço atrativo".
Em França, o serviço-base do NetFlix custa 7,99 euros. Para dois ecrãs o custo é de 8,99 euros e para quatro ecrãs em alta definição o preço é de 11,99 euros.
Isto para conteúdos que incluem séries originais como o Demolidor da Marvel, Sense8, Bloodline, Grace and Frankie, Unbreakable Kimmy Schmidt ou Marco Polo; documentários como Virunga, Mission Blue ou Chef"s Table; bem como vários especiais de stand-up comedy. A oferta NetFlix inclui também programação infantil e filmes originais. E todos os programas serão legendados em português.
"Este é mais um passo para a "complexificação" de um mundo que já é interessante", remata Nuno Artur Silva.

O DN/Dinheiro Vivo tentou o contacto com o Meo, Nos e Vodafone, outros concorrentes do Netflix, mas não obteve qualquer resposta até à hora de fecho desta edição. (DN/Dinheiro Vivo)

sexta-feira, 5 de junho de 2015

10 truques do Google que provavelmente não conhece.


Os programadores do Google estão sempre a inovar e, de vez em quando, criam uns truques que nem sempre são do conhecimento geral. Há jogos escondidos, há atalhos muito práticos e, até, algumas inutilidades só porque sim... Veja os 10 truques que descobrimos:

1. Funciona como cronómetro

Está a trabalhar e precisa de um lembrete para fazer um telefonema ou para sair a tempo de ir buscar os miúdos à escola. Pode usar o Google como cronómetro. Só tem de usar a frase "set timer to x minutes (and x seconds)" substituindo o "x" pelos minutos e segundos que desejar.

2. Procurar num só site

Por vezes, queremos encontrar determinado assunto que sabemos que lemos em determinado site, mas a busca no Google por palavras dá um milhão de resultados e o que procuramos não está à vista. O código para procurar apenas dentro do site que queremos é simples. Por exemplo, para pesquisar apenas no Dinheiro Vivo tudo o que já se publicou sobre "impostos", escreva no Google "site: Dinheiro Vivo impostos".

3. Saber estado do voo

Está atrasado, não sabe se chega a tempo do voo e também não sabe se vale a pena correr porque pode haver atrasos? Bem, o Google também lhe diz como está o estado do seu voo. Experimente: o voo Porto-Lisboa com a Ryanair tem o código FR1671. É só introduzir o código no Google e fica a saber.

4. Decidir o que comer

Será que a pizza engorda mais do que um hamburguer? Em caso de dúvida, é só digitar "pizza vs hamburguer" no Google e terá imediatamente o quadro nutricional dos dois alimentos para comparação. Tudo o que quiser diigitar terá de ser em inglês, embora no caso do exemplo, as palavras sejam iguais em português.

5. Previsão do tempo

É claro que há uma imensidão de sites que lhe dizem a previsão do tempo, mas se estiver com pressa o Google dá uma ajuda. É só digitar o nome da cidade seguido de "forecast" (previsão, em inglês) e o resultado é instantâneo.

6. Alimentar a nostalgia com jogos

Este truque estava bem escondido pelos engenheiros brincalhões do Google. Sabia que se escrever "Atari Breakout" na pesquisa de imagens do Google, pode matar saudades do velhinho jogo de consola? No Google há ainda outro jogo escondido: escreva "zerg rush" e divirta-se a "matar" os zeros antes que lhe "comam" os resultados...

7. Conversões instantâneas

Quilómetros para milhas, gramas para onças, euros para dólares, libras para euros e outras conversões chatas e traiçoeiras já não precisam de cálculos complicados. Mais uma vez, terá de saber os termos em inglês para digitar, mas o Google dá-lhe o resultado num segundo. Tente "meters to miles" (metros para milhas) ou "grams to pounds" (gramas para onças), "euro to dollar" (euro para dólar) ou "pounds to euro" (libras para euros), para citar apenas algumas das conversões mais frequentes.

8. Tradução rápida

Para textos maiores, existe o Google Translate, mas quando queremos apenas uma frase ou uma expressão mais rapidamente, é só escrever, por exemplo, "portuguese to japanese" e surgem os campos onde poderá escrever a expressão em português do lado esquerdo e obter o resultado em japonês do lado direito. Ou vice-versa, copiou uma expressão em japonês, cola do lado direito e obtém o resultado em português.

9. Inclinar o ecrã

Não, não é um truque prático, mas sempre diz algo do sentido de humor dos programadores do Google. Escreva "tilt" e veja o que sucede ao ecrã.

10. Controlar o sol


É daquelas informações que pode dar trabalho a encontrar: saber, por exemplo, a que horas está a nascer o dia e a que horas é o pôr do sol no nosso destino de férias. O Google responde imediatamente. É só escrever "sunrise in (nome da cidade)" ou "sunset in (nome da cidade)". Experimente. (DN-Dinheiro Vivo – 5.Jun.2015)

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Acampar com histórias e "show cooking" na Feira do Livro de Lisboa.


A 85.ª edição da Feira do Livro de Lisboa, que decorre de 28 de Maio a 14 de Junho, vai ter novidades. Acampamento com histórias para crianças, conferências com oradores internacionais e um "show cooking".
Conferências com convidados internacionais, um auditório “com uma cozinha equipada” - para ali se realizarem apresentações de livros de gastronomia - e várias noites dedicadas às crianças com uma nova actividade, Acampar com histórias, são algumas das novidades da 85.ª edição da Feira do Livro, que decorre de 28 de Maio a 14 de Junho no Parque Eduardo VII, em Lisboa.
Esta edição conta com um total de 271 pavilhões (mais 21 do que o ano passado) e também com um número recorde de participantes: são 123 os inscritos nesta feira do livro (mais 23 do que em 2014).
Na conferência de imprensa que decorreu esta terça-feira à tarde no Parque Eduardo VII, onde já se podem ver montados os pavilhões coloridos das diversas editoras, o presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), João Alvim, referiu que em 2014 o número de visitantes da Feira do Livro de Lisboa foi de 532 mil e que a expectativa da APEL “é sempre a de se ultrapassar" o número de visitantes do ano anterior. “Ambicionamos [este ano] chegar aos 600 mil visitantes, com os [novos] espaços de lazer, a programação e se as condições meteorológicas forem favoráveis”, acrescentou.
Por sua vez, Bruno Pacheco, secretário-geral da APEL, lembrou que este ano os visitantes podem contar com “mais de mil iniciativas durante os 18 dias da feira, aproximadamente mais 100 do que no ano anterior". Haverá mais locais de restauração e o novo espaço "show cooking" - com um auditório localizado à entrada da feira junto ao Marquês de Pombal onde haverá “uma cozinha equipada” - permitirá que ali decorram apresentações de livros de gastronomia e culinária. 
Entre as novidades mais entusiasmantes deste ano na feira inclui-se a iniciativa Noites Happy Readers: Acampar com Histórias mas para a qual já terminaram as inscrições. É dedicada aos mais pequenos, dos 8 aos 12 anos, e os participantes vão passar uma noite “rodeados de livros, histórias e letras”, tal como explicou Susana Silvestre, da rede de Bibliotecas Municipais de Lisboa. Esta actividade que se repete em seis noites – 19 e 30 de Maio, 5, 6, 12 e 13 de Junho - vai permitir que 120 crianças, que já foram seleccionadas após inscrição e o pagamento no site da APEL, façam uma visita guiada pela feira entre muitos livros e actividades, jantem e acampem durante a noite na Estufa Fria de Lisboa.
Logo após a cerimónia de inauguração da 85.ª edição da Feira do Livro de Lisboa, quinta-feira às 16h, inicia-se o primeiro de três ciclos de conferências às quintas-feiras com convidados internacionais dedicadas ao debate de temas ligados à indústria europeia do livro. A primeira conferência é sobre os direitos de autor/pirataria e contará com a presença do presidente da Federação Europeia de Editores, Pierre Dutilleul, no dia 28 de Maio.
A segunda conferência será dedicada à Lei do Preço Fixo e terá a participação de Kyra Dreher, co-presidente da Federação Europeia e Internacional de Livreiros (4 de Junho) e por fim, Richard Charkin, presidente da Associação Internacional de Editores irá estar na feira no dia 11 de Junho a discutir os constrangimentos internacionais aos direitos de autor e à luta contra a pirataria. Durante os 18 dias da feira irá decorrer ainda o I Encontro LiterárioNós e os livros, e a Fundação Francisco Manuel dos Santos vai promover um ciclo de onze debates sobre a economia portuguesa, o parlamento e o ensino, entre outros temas.
A Feira do Livro de Lisboa está aberta de segunda a quinta-feira das 12h30 às 23h, às sexta-feiras e vésperas de feriados das 12h30 às 24h, aos sábados das 11h às 24h e aos domingos e feriados das 11h às 23h.

Editado por Isabel Coutinho (Jornal Público –Maio.2015)

sexta-feira, 22 de maio de 2015

A China de Jia Zhang-Ke em três tempos.


O filme de Jia Zhang-Ke distingue-se por dar a ver os temas e interrogações da evolução da sociedade chinesa.
É bem verdade que o cinema nos ajuda a reavaliar as medidas do tempo. Por vezes, refletindo sobre conjunturas presentes de perturbante dramatismo, como acontece em Sicario, do canadiano Dennis Villeneuve, apostado em renovar um género - o thriller em torno das guerras da droga na fronteira México/EUA - muito explorado pela produção americana. Outras vezes, baralhando aquelas medidas e, no limite, questionando os sentidos e valores da nossa existência. Assim acontece em mais dois títulos marcantes da competição de Cannes: Mountains May Depart, do chinês Jia Zhang-Ke, e Youth, do italiano Paolo Sorrentino.
Este último e o projeto desenvolvido por Sorrentino logo após a consagração do seu anterior A Grande Beleza, Oscar de melhor filme estrangeiro de 2014. Agora, rodeou-se de um elenco invulgar - em que se destacam os veteraníssimos Michael Caine, Harvey Keitel e Jane Fonda - por assim dizer celebrando a sua internacionalização. Falado em língua inglesa, Youth ironiza o seu título (Juventude), afinal para propor uma viagem amarga e doce pelos sobressaltos do envelhecimento. E porque várias personagens estão ligadas ao mundo do cinema, o filme adquire os contornos de um requiem por um tempo primitivo do espetáculo - Sorrentino não será Fellini, mas e um legítimo herdeiro do seu trabalho.

O caso de Jia Zhang-Ke é mais arriscado e desconcertante. A sua dramatização do tempo envolve um inesperado efeito que apetece classificar de "ficção científica", embora tratado através de um elaborado realismo. Assim, começamos por conhecer dois rapazes e a rapariga com que ambos querem namorar - está-se em 1999 e a perspetiva do novo milénio alimenta a utopia de uma vida diferente. (DN – 21.Maio,2015)

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Viagem ao princípio do mundo.


Se Eu Fosse Ladrão... Roubava, o filme-testamento de Paulo Rocha que agora, já postumamente, chega às salas de cinema, é o fim de uma obra iniciada na década de 1960 com duas obras-primas agora restauradas e também de regresso ao circuito comercial, Os Verdes Anos e Mudar de Vida. Dados a ver em conjunto, estes três filmes iluminam o círculo perfeito da obra do cineasta.
Faz um sentido especial a chegada ao circuito comercial, em simultâneo, do último filme de Paulo Rocha, Se Eu Fosse Ladrão… Roubava, e das suas duas primeiras longas-metragens, Os Verdes Anos e Mudar de Vida, estes dois títulos dados a ver em imaculadas versões recentemente restauradas pela Cinemateca Portuguesa com supervisão do realizador Pedro Costa.
E faz um sentido especial porque, se na obra de Paulo Rocha tudo se liga a tudo, e os seus filmes, mesmo espaçados no tempo, se estão sempre a reencontrar uns aos outros em rimas, ecos e repetições, Se Eu Fosse Ladrão… Roubava, que a dado passo o realizador não pode ter deixado de assumir como um verdadeiro “filme-testamento” ou “filme-súmula”, é uma obra inteiramente centrada nessas ligações, uma obra que atira luz sobre elas, e um filme que, em mais do que um sentido, volta incessantemente ao princípio – inclusive, e tratando da história do pai de Paulo Rocha, a uma origem familiar – para unir, num círculo perfeito, “fim” e “princípio”. Ora, fim e princípio duma obra, em circulo perfeito, é o que a exibição conjunta destes três filmes expõe, e propõe.
Manoel de Oliveira, por sua vez no seu “filme-testamento” há bem pouco tempo revelado publicamente (Visita ou Memórias e Confissões), refere a dado passo a sua admiração por Paulo Rocha, o cineasta português que mais apreciava. Não deixa, já agora, de ser justo notar o simbolismo latente no facto de a apresentação pública do filme de Rocha (depois de exibições no Festival de Locarno e na Cinemateca) suceder tão pouco tempo depois das primeiras exibições públicas deVisita..., como se isso reatasse um diálogo entre os dois. É certo que Rocha retribuía a estima de Oliveira, de quem foi assistente no Acto da Primavera e que talvez tenha sido, com António Reis, quem mais directamente reflectiu a importância matricial desse filme para o moderno cinema português.
Rocha foi um cineasta dos elementos, das tensões “telúricas”, da terra e do mar (como admiravelmente mostra, por exemplo, Mudar de Vida), mas também foi um cineasta da representação e do ritual, dados como chave para a “codificação” (ou “descodificação”) do real. A sua obra será sempre um bom ponto de partida para mostrar a diferença entre o que é ser “realista” (que Rocha foi sempre) e o que é ser “naturalista” (que Rocha nunca foi). A sua predilecção pelas formas da cultura japonesa – o cinema, o teatro, a pintura – mas também pela arte modernista (o seu filme sobre Amadeo de Souza-Cardoso, Máscara de Aço Contra Abismo Azul, feito em 1988) são outras manifestações precisas dessa diferenciação.

Um tempo em conserva


Quando vemos hoje Os Verdes Anos (1963) ou Mudar de Vida (1966), há um apelo muito imediato. O do tempo que ficou “em conserva” nesses filmes, o retrato que eles propõem duma época específica de Portugal. A Lisboa cinzenta dos Verdes Anos, ainda a expandir-se pelo campo em volta, as ruas e os cafés, as vidas dos que vinham do campo para avançar pela cidade, como o sapateiro (Rui Gomes) e a sopeirinha (Isabel Ruth) que compõem o casal protagonista.
Em Mudar de Vida, que não deixa de ser de vários modos um “reflexo” do primeiro filme de Rocha, a província (a região de Ovar, a que o realizador estava familiarmente ligado), as vidas dos pescadores, a sombra da guerra colonial (de onde voltava o protagonista). Tudo isto, toda esta precisão (“sociológica”, se quisermos), o tempo não fez mais do que salientar e reforçar, e este sentido de justeza também é, obviamente, a marca de um grande cineasta.
Mas que não deve esconder outros aspectos, mormente a extraordinária construção dramatúrgica desses filmes, o modo como todos os seus elementos, sobretudo aqueles mais directamente arrancados ao “real” (por exemplo, em Mudar de Vida, a sequência da festa popular), se inserem numa progressão narrativa impecável, alimentada por pulsões e mais pulsões, invisíveis mas pressentidas, e frequentemente de sinal contrário – é essa violência, sanguínea, contraditória, inexplicável, que toma conta do final de Os Verdes Anos, por exemplo, esse filme que acabando embora com a morte é um filme pleno de vida. Nessa perspectiva, Mudar de Vida, sendo mais duro e mais árido do que Os Verdes Anos, é um filme mais optimista, a fazer bem jus ao título: a célebre fala final do protagonista, “ainda temos braços”, é uma promessa de vida, de futuro, um caminho de superação diametralmente oposto ao fechamento, dir-se-ia “subterrâneo”, para que tendem Os Verdes Anos.
Num caso como noutro, e como se verificaria ainda em muitos momentos da obra de Rocha (O Rio do Ouro sendo um caso evidente), esse outro aspecto fundamental da obra do realizador, e que muito directamente cria uma ligação com Acto... de Oliveira, aparece em pleno: o seu interesse pela cultura popular, pelas formas de expressão populares, dadas menos como “documentário” do que como “teatro”, sempre em sofisticação e ritualização. Se eu Fosse Ladrão… Roubava é espantoso, entre outras coisas, pela forma como traz isto para o centro do cinema de Paulo Rocha. 
Mais do que apenas “autobiografia”, e dada a presença nele de uma multitude de excertos de filmes do realizador, é quase um filme de “crítica” – e se não é caso inédito andará lá próximo, mas não nos lembramos de nenhum realizador (nem mesmo Godard, que tanto se tem citado e revisto nos seus últimos filmes) que tenha feito assim, desta maneira, um filme sobre a sua própria obra.
Mas na constante fusão entre a ficção filmada contemporaneamente (a história do pai de Rocha e do seu desejo de “mudar de vida” e partir para o Brasil) e os ecos, muito concretos, trazidos pelos excertos dos seus filmes, é como se o realizador propusesse essa questão, a da expressão popular (as canções, por exemplo), como centro emanador e inspirador do essencial da sua obra.
Assim articulados, não é sem espanto que percebemos que filmes que pareciam tão distantes como, por exemplo, Os Verdes Anos e O Rio do Ouro, se tocam porventura mais do que o que supúnhamos. Ou que entre o cansaço do protagonista de Mudar de Vida e o cansaço de Venceslau de Moraes em A Ilha dos Amores há mais em comum do que julgaríamos.

Se Eu Fosse Ladrão... Roubava é a análise filmada da obra de Rocha que ninguém fez, mas feita como só ele a podia fazer – sem auto-celebração, com ironia, e dando todo o destaque à matéria (actores, paisagens, canções) de que o seu cinema se fez. No fim, a despedida: “Não tenhas medo." Como se a morte fosse só o regresso ao princípio. (Jornal Público – 14.Maio.2015)