terça-feira, 21 de junho de 2016

Entre o património e a natureza, o fascínio da música ibérica.


A redescoberta dos compositores portugueses activos em Espanha no século XVII pelo maestro Albert Recasens e um passeio pelas ribeiras de Terges e Cobres no vale do Guadiana no encerramento do Festival Terras sem Sombra.
A estreia em Portugal do agrupamento La Grande Chapelle, dirigido pelo maestro e musicólogo Albert Recasens, com o programa “Inesperado Resgate: Compositores Portugueses na Espanha do Siglo de Oro”, levou no passado sábado um amplo público à Sé de Beja, sugestivo cenário barroco para a audição da música de Manuel Machado (ca. 1590-1646), Fr. Manuel Correa (ca. 1600-1653), Fr. Filipe da Madre de Deus (ca. 1630- ca. 1687) e Juan Hidalgo (1614-1685) em interpretações que combinaram rigor histórico e impacto expressivo. Este foi o último concerto da 12.ª edição do Festival de Música Sacra do Baixo Alentejo – Terras sem Sombra (FTSS), este ano sob o tema Torna-Viagem: o Brasil, a África e a Europa – Da Idade Média ao Século XX  (ver PÚBLICO de 19 de Novembro de 2015).
Organizado pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, o FTSS assenta em três pilares que articulam a divulgação do património arquitectónico religioso com concertos e acções no âmbito da biodiversidade. Assim, antes do concerto de sábado foi assinalado o fim das obras de restauro da Igreja de Nossa Senhora ao Pé da Cruz, com o apoio da associação Portas do Território, a qual constituiu também uma importante parceria nas recentes obras de requalificação da Sé de Beja.
Esta foi a segunda edição programada pelo crítico musical Juan Ángel Vela del Campo —  o terceiro director artístico, depois de Filipe Faria (2003-2010) e Paolo Pinamonti (2011-2014) — pelo que os intercâmbios ibéricos estiveram em destaque, com um exemplo emblemático no programa de La Grande Chapelle, dedicado à música do tempo da monarquia dual (1580-1640). Com uma importante discografia composta por programas temáticos em torno da música ibérica dos séculos XVI a XVIII, este agrupamento dispõe de uma etiqueta própria (Lauda) criada em 2005.
O seu último CD, Música para el Rey Planeta, é dedicado a Juan Hidalgo, mestre da câmara real de Felipe IV e Carlos II de Espanha e um dos protagonistas do concerto de Beja, juntamente com os portugueses Manuel Machado (harpista e compositor ao serviço de Filipe IV em Madrid), Fr. Manuel Correa (carmelita calçado em Madrid e mestre de capela das catedrais de Sigüenza e Saragoça) e Fr. Felipe da Madre de Deus, activo em Sevilha e nas cortes de D. João IV e Afonso VI, já depois da Restauração. Vilancicos e tonos humanos e a lo divino, ou seja, de carácter profano ou sacro, foram criteriosamente encadeados, tendo em conta contrastes de carácter, variedade de texturas (mais contrapontísticas ou mais concertantes) e escolhas tímbricas. Quatro cantores com fortes afinidades com este repertório (ainda que o tenor tenha optado por uma abordagem mais lírica), entre os quais se destacou a soprano Eugenia Boix, pelo timbre cintilante e clareza na transmissão do texto, apoiados por instrumentistas experientes nos códigos da música renascentista e barroca proporcionaram interpretações depuradas de grande expressividade e eloquência retórica. Obras mais contemplativas como Ojos mios qué teneis? e Y las sombras de la noche, de Correa — uma revelação face aos mais conhecidos Machado e Hidalgo —, contrastaram com a graciosidade rítmica e a teatralidade das páginas de Hidalgo e Madre de Deus. Recasens dirigiu com precisão, elegância e sentido de estilo, deixando os seus músicos expressar-se de forma autónoma nas peças mais camarísticas e nas versões instrumentais.
Passeios em Terras sem Sombra

No domingo, sob um sol abrasador, mais de 50 pessoas realizaram o percurso que conduziu às ribeiras de Terges e Cobres, cujos cursos de água contribuem para criar verdadeiros “oásis” de biodiversidade. O passeio foi orientado pelo biólogo Pedro Rocha e terminou na unidade de agroturismo Xistos, onde foi realizada uma homenagem a Armando Sevinate Pinto (1946-2015), primeiro presidente do conselho de curadores do FTSS, e a Manuel de Castro e Brito (1950-1916), outro amigo do festival. “Um dos aspectos primordiais é o convívio entre músicos, espectadores e convidados, a experiência não se esgota na ida ao concerto”, disse ao PÚBLICO o director-geral, José António Falcão. “O público tem vindo a crescer, temos mais jovens e cada vez mais estrangeiros”, conta. Refere também que está a ser realizado um estudo sobre o festival ligado ao turismo ambiental. (Jornal Público – 21 Jun 2016)

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